O Ronco da Abelha
Grande parte dos historiadores brasileiros considera a segunda metade do século XIX (1850-1889) como o período mais tranquilo do Segundo Reinado no que se refere às revoltas internas. Este entendimento é válido se considerarmos que as grandes rebeliões que punham em xeque a unidade nacional realmente deixaram de ocorrer após o término da Revolução Praieira, o último grande movimento de contestação da política imperial antes da implantação da República.
Porém dizer que o período em questão foi tranquilo, não condiz necessariamente com a sequência do que se sucedeu no decorrer do século XIX. Em várias partes do país aconteceram os mais diversos tipos de protestos e movimentos contra a situação política, econômica ou social. De ataques na imprensa ou debates acalorados nas assembleias provinciais e nacional, até manifestações violentas e quebra-quebra ocorreram. O Nordeste foi o palco de vários destes movimentos, dos quais destacamos o “Movimento do Ronco da Abelha” ou “Guerra dos Marimbondos”.
O Contexto Histórico
O início da década de 1850 foi agitado nas províncias do Nordeste. A Revolução Praieira mal havia acabado e muitas questões referentes à economia e política ainda inquietavam as pessoas. A região vivia uma grave crise dos seus principais produtos de exportação (especialmente o açúcar) e não contava mais com o prestígio político que tivera outrora. As disputas entre liberais e conservadores também faziam eco no Nordeste e contribuíam para aumentar o clima de insatisfação local. As leis Eusébio de Queiroz (que proíbe o tráfico de escravos para o Brasil) e a chamada Lei de Terras (que dificulta ainda mais o acesso à terra por parte das camadas mais pobres) são aprovadas, ampliando a desconfiança de uma significativa parcela da população.
Com a proibição do tráfico escravista cresce a necessidade por mão-de-obra barata nas fazendas de café do Sudeste. Para suprir a carência de braços nos cafezais os fazendeiros do Sudeste recorrem ao tráfico interno de escravos adquirindo escravos do fazendeiros nordestinos que vendem os seus escravos como meio de quitar suas dívidas crescentes e optam por utilizar mão-de-obra livre formada principalmente por mestiços.
No esteio das Leis mencionadas foram lançados dois decretos, o 797 e 798 a se cumprirem em janeiro de 1852 e que determinavam o registro civil da população em cartórios (retirando esta função da Igreja Católica) e o recenseamento da população. Estes decretos somados às Leis Eusébio de Queiroz e à Lei de Terras, fizeram crescer na população a desconfiança de que os trabalhadores livres substituíram os escravos no Nordeste, especialmente nas fazendas de algodão, perdendo também sua liberdade. Também ocorreu o fato de que muitos religiosos aproveitarem o fato de que perderiam o privilégio do registro civil para questionarem o regime do Padroado (onde o Império exercia o controle sobre o Catolicismo no Brasil). Além de pessoas ligadas aos grupos de oposição nas províncias de Pernambuco, Paraíba e Ceará, aproveitarem a situação e canalizarem o descontentamento de parte da população para ampliarem sua base de apoio. Sendo assim., o clima estava propício para a eclosão do movimento.
Os Conflitos e suas consequências
No final de Dezembro de 1851, quando em Pernambuco, Paraíba e Ceará a notícia sobre o cumprimento dos Decretos citados correu pelas vilas ou foram afixados em locais públicos cópias destes decretos, um grande número de pessoas, armadas de foices, enxadas e espingardas, passou a atacar prédios e autoridades públicas. Gritos como “Abaixo a Lei, morra o Governo” eram ouvidos e entoados como palavras de ordem. Os registros dão conta de que em vilas e cidades da Paraíba como Campina Grande, Ingá e Alagoa Nova os conflitos foram extremamente violentos. Apesar da surpresa inicial, o governo reagiu rápido e no final de janeiro 1852 a paz social” foi restabelecida, para tal o governo contou com o auxílio de alguns membros do baixo clero que ao se darem conta de que o movimento fugiu do controle, passou a conclamar os fiéis para o respeito à “ordem pública”.
Mesmo durante pouco tempo o Ronco da Abelha provocou resultados, os decretos foram revogados e o primeiro Censo nacional só veio a acontecer em 1872 e o registro civil e a separação definitiva da Igreja e do Estado só ocorreram a partir da implantação da República.