sexta-feira, 12 de março de 2010

Caldeirão e "A Cidade do Paraíso"

Na História do Brasil e do mundo, muitos são os exemplos de movimentos religiosos que tiveram um final trágico. Líderes e fiéis de vários desses movimentos morreram vítimas de repressão governamental, de sacrifícios efetuados em rituais ou suicídios e imolações coletivas. Alguns dos casos mais marcantes e conhecidos da História do Brasil são os de Canudos (1893-1897), no interior da Bahia e do Contestado (1912-1916), em Santa Catarina. No entanto, muitas outras são as situações em que a fé do povo e liderança carismática de um beato, pastor ou pregador levou centenas de pessoas a participarem de um projeto de construção de uma sociedade diferente e por assim dizer alternativa.
No sertão nordestino do final do século XIX e início do século XX, fatores como o mandonismo, o coronelismo e as constantes secas foram elementos que contribuíram para a ampliação do número de excluídos e que se tornam elementos constitutivos do surgimento de bandos armados (os cangaceiros) e do surgimento de líderes religiosos com uma pregação de salvação e de mudança de vida (Messianismo).

O Beato e o Circo dos Santos
Entre as décadas de 20 e 40 do século XX, na região do Cariri Cearense, mais precisamente na Chapada do Araripe, surge a figura do Beato José Lourenço; um devoto do Padre Cícero que teria sido enviado por este com a missão de acolher os fiéis que chegavam constantemente a Juazeiro.
Na fazenda Caldeirão da Santa Cruz, o Beato instituiu uma comunidade com o modo de vida austero. O centro da vida eram as celebrações religiosas, as rezas dirigidas por  José Lourenço e o trabalho, com a maioria das pessoas se dedicando à agricultura. A comunidade levava uma vida igualitária e todos podiam trabalhar a terra. Os bens produzidos eram partilhados entre todos. O trabalho era visto como um meio de salvação e as regras eram rígidas. Com a morte do Padre Cícero, o número de fiéis que acorreram para Caldeirão aumentou significativamente, fato que chamou a atenção das autoridades para a fazenda, o Beato e suas atividades.
Entre 1936-37, o Caldeirão atingia o ponto máximo de sua existência e a comunidade preparava a construção de uma igreja, uma melhor distribuição das moradias (com a abertura e organização de ruas) e também a formação de uma escola de educação básica, que seria possível com a chegada de três professoras.
A Campanha contra o Caldeirão e o Beato José Lourenço
No mesmo período a campanha difamatória contra o Beato e a comunidade ocupou mais espaço na imprensa do Ceará como se pode ver nesta nota do Jornal o Povo:
"Usam os penitentes do beato José Lourenço, sem exceção, homens, mulheres e crianças, ordinária roupa preta, tinta com lama, que exala insuportável mau cheiro. Quase todos possuem uma espingarda de caça e garrunchas e alguns revólveres...
Não é possível ocultar o perigo que acomete este ajuntamento selvagem em lugar deserto e despoliciado como a Serra do Araripe, não sendo de estranhar que dentro em breve surjam roubos e tropelias outras praticadas por aquele bando de inconscientes de quase mil indivíduos, atualmente vagabundos e ociosos. Por isto julgamos prestar grande serviço à nossa terra dando notícia dentro das fronteiras do nosso município desse cancro social... (O Povo, 12-05-1937 In: Cordeiro, 2008).
Apoiando-se nas notícias divulgadas por uma imprensa que pouco conhecia a realidade da comunidade do Caldeirão e amparados pelo regime de exceção do Estado Novo, uma união que incluía fazendeiros, religiosos e políticos planejou o fim da experiência vivida naquele lugar. O desejo de por fim às atividades da comunidade era comum aos grupos que detinham o poder na região e as razões para isso estavam ligadas à economia, ao poder político e ao poder religioso. Entre estes motivos podem ser mencionados: O medo dos fazendeiros de perderem sua mão-de-obra para o José Lourenço e a comunidade do Caldeirão, as ambições da Igreja Católica tradicional que, supostamente, cobiçava as terras da comunidade e não compreendia as manifestações do catolicismo popular, e o temor das elites políticas que suspeitavam que o movimento era comunista (vale lembrar que os fatos são próximos à Intentona Comunista de 1935 e ao Plano Cohen de 1937).
Por fim, 1937, o governo do Ceará decide pela invasão do local que resulta na morte de várias pessoas (inclusive mulheres e crianças). No ataque, segundo Cláudio Aguiar, até aviões foram utilizados, algo até então sem precedentes na América Latina. José Lourenço consegue escapar com alguns fiéis e se refugia numa fazenda adquirida no estado de Pernambuco. Os remanescentes do Caldeirão vivem boa parte do tempo às escondidas, temendo as investigações, prisões e mortes efetuadas no Ceará e que se estenderam por um bom tempo. Em 1946 José Lourenço falece e o movimento perde força por falta de uma liderança expressiva, o que provoca a dispersão dos seguidores e o fim do projeto de construção de uma comunidade coletiva, mesmo com a tentativa de José Senhorinho e de Quinzeiro de retomar à vida na Fazenda Caldeirão.

Atualidade
Os fatos ocorridos na Chapada do Araripe no início do século XX vem se tornando tema cada vez mais frequente em pesquisas e publicações. O exemplo daquela comunidade mostra um quadro de exclusão social e de enfrentamento de forças pertencentes aos setores mais populares de um lado e do outro lado os grupos que mantém o poder. Também é possível notar como a falta de entendimento sobre os movimentos populares e a ausência de diálogo por parte daqueles que estão no poder podem gerar uma verdadeira catástrofe.
Por último cabe notar que, na sociedade atual, ainda se pode ver alguns elementos que remontam a características do Messianismo muito embora a forma de atuação e os meios sejam diferentes.

 Saiba mais:

4 comentários:

SOS DIREITOS HUMANOS disse...

DENÚNCIA: SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ – UMA HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONHECE PORQUE JAMAIS FOI CONTADA...



"As Vítimas do Massacre do Sítio Caldeirão
têm direito inalienável à Verdade, Memória,
História e Justiça!" Otoniel Ajala Dourado



O MASSACRE APAGADO DOS LIVROS DE HISTÓRIA


No município de CRATO, interior do CEARÁ, BRASIL, houve um crime idêntico ao do “Araguaia”, foi o MASSACRE praticado pelo Exército e Polícia Militar do Ceará em 10.05.1937, contra a comunidade de camponeses católicos do SÍTIO DA SANTA CRUZ DO DESERTO ou SÍTIO CALDEIRÃO, cujo líder religioso era o beato "JOSÉ LOURENÇO GOMES DA SILVA", paraibano de Pilões de Dentro, seguidor do padre CÍCERO ROMÃO BATISTA, encarados como “socialistas periculosos”.



O CRIME DE LESA HUMANIDADE


O crime iniciou-se com um bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como metralhadoras, fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram na “MATA CAVALOS”, SERRA DO CRUZEIRO, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como juízes e algozes. Meses após, JOSÉ GERALDO DA CRUZ, ex-prefeito de Juazeiro do Norte/CE, encontrou num local da Chapada do Araripe, 16 crânios de crianças.


A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA SOS DIREITOS HUMANOS


Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará é de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira e Acordos e Convenções internacionais, por isto a SOS DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - CE, ajuizou em 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo: a) que seja informada a localização da COVA COLETIVA, b) a exumação dos restos mortais, sua identificação através de DNA e enterro digno para as vítimas, c) liberação dos documentos sobre a chacina e sua inclusão na história oficial brasileira, d) indenização aos descendentes das vítimas e sobreviventes no valor de R$500 mil reais, e) outros pedidos



A EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO DA AÇÃO


A Ação Civil Pública foi distribuída para o Juiz substituto da 1ª Vara Federal em Fortaleza/CE e depois, para a 16ª Vara Federal em Juazeiro do Norte/CE, e lá em 16.09.2009, extinta sem julgamento do mérito, a pedido do MPF.



AS RAZÕES DO RECURSO DA SOS DIREITOS HUMANOS PERANTE O TRF5


A SOS DIREITOS HUMANOS apelou para o Tribunal Regional da 5ª Região em Recife/PE, argumentando que: a) não há prescrição porque o massacre do SÍTIO CALDEIRÃO é um crime de LESA HUMANIDADE, b) os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO não desapareceram da Chapada do Araripe a exemplo da família do CZAR ROMANOV, que foi morta no ano de 1918 e a ossada encontrada nos anos de 1991 e 2007;



A SOS DIREITOS HUMANOS DENUNCIA O BRASIL PERANTE A OEA


A SOS DIREITOS HUMANOS, igualmente aos familiares das vítimas da GUERRILHA DO ARAGUAIA, denunciou no ano de 2009, o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos – OEA, pelo DESAPARECIMENTO FORÇADO de 1000 pessoas do SÍTIO CALDEIRÃO.


QUEM PODE ENCONTRAR A COVA COLETIVA


A “URCA” e a “UFC” com seu RADAR DE PENETRAÇÃO NO SOLO (GPR) podem localizar a cova coletiva, e por que não a procuram? Serão os fósseis de peixes do "GEOPARK ARARIPE" mais importantes que os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO?



A COMISSÃO DA VERDADE


A SOS DIREITOS HUMANOS busca apoio técnico para encontrar a COVA COLETIVA, e que o internauta divulgue a notícia em seu blog/site, bem como a envie para seus representantes no Legislativo, solicitando um pronunciamento exigindo do Governo Federal a localização da COVA COLETIVA das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO.


Paz e Solidariedade,



Dr. Otoniel Ajala Dourado
OAB/CE 9288 – 55 85 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
Membro da CDAA da OAB/CE
www.sosdireitoshumanos.org.br
sosdireitoshumanos@ig.com.br

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

Bom trabalho.

Valdecy Alves disse...

Vejam matéria e fotos do making off das filmagens para o documentário sobre CALDEIRÃO DA SANTA CRUZ DO DESERTO, a comunidade que foi aniquilada, a exemplo de Canudos, por balas e bombardeios aéreos. Leia, Comente e divulgue: http://valdecyalves.blogspot.com/2010/09/caldeirao-de-santa-cruz-do-deserto.html