sábado, 12 de junho de 2010

O Ronco da Abelha

Grande parte dos historiadores brasileiros considera a segunda metade do século XIX (1850-1889) como o período mais tranquilo do Segundo Reinado no que se refere às revoltas internas. Este entendimento é válido se considerarmos que as grandes rebeliões que punham em xeque a unidade nacional realmente deixaram de ocorrer após o término da Revolução Praieira, o último grande movimento de contestação da política imperial antes da implantação da República.

Porém dizer que o período em questão foi tranquilo, não condiz necessariamente com a sequência do que se sucedeu no decorrer do século XIX. Em várias partes do país aconteceram os mais diversos tipos de protestos e movimentos contra a situação política, econômica ou social. De ataques na imprensa ou debates acalorados nas assembleias provinciais e nacional, até manifestações violentas e quebra-quebra ocorreram. O Nordeste foi o palco de vários destes movimentos, dos quais destacamos o “Movimento do Ronco da Abelha” ou “Guerra dos Marimbondos”.


O Contexto Histórico
O início da década de 1850 foi agitado nas províncias do Nordeste. A Revolução Praieira mal havia acabado e muitas questões referentes à economia e política ainda inquietavam as pessoas. A região vivia uma grave crise dos seus principais produtos de exportação (especialmente o açúcar) e não contava mais com o prestígio político que tivera outrora. As disputas entre liberais e conservadores também faziam eco no Nordeste e contribuíam para aumentar o clima de insatisfação local. As leis Eusébio de Queiroz (que proíbe o tráfico de escravos para o Brasil) e a chamada Lei de Terras (que dificulta ainda mais o acesso à terra por parte das camadas mais pobres) são aprovadas, ampliando a desconfiança de uma significativa parcela da população.
Com a proibição do tráfico escravista cresce a necessidade por mão-de-obra barata nas fazendas de café do Sudeste. Para suprir a carência de braços nos cafezais os fazendeiros do Sudeste recorrem ao tráfico interno de escravos adquirindo escravos do fazendeiros nordestinos que vendem os seus escravos como meio de quitar suas dívidas crescentes e optam por utilizar mão-de-obra livre formada principalmente por mestiços.
No esteio das Leis mencionadas foram lançados dois decretos, o 797 e 798 a se cumprirem em janeiro de 1852 e que determinavam o registro civil da população em cartórios (retirando esta função da Igreja Católica) e o recenseamento da população. Estes decretos somados às Leis Eusébio de Queiroz e à Lei de Terras, fizeram crescer na população a desconfiança de que os trabalhadores livres substituíram os escravos no Nordeste, especialmente nas fazendas de algodão, perdendo também sua liberdade. Também ocorreu o fato de que muitos religiosos aproveitarem o fato de que perderiam o privilégio do registro civil para questionarem o regime do Padroado (onde o Império exercia o controle sobre o Catolicismo no Brasil). Além de pessoas ligadas aos grupos de oposição nas províncias de Pernambuco, Paraíba e Ceará, aproveitarem a situação e canalizarem o descontentamento de parte da população para ampliarem sua base de apoio. Sendo assim., o clima estava propício para a eclosão do movimento.


Os Conflitos e suas consequências
No final de Dezembro de 1851, quando em Pernambuco, Paraíba e Ceará a notícia sobre o cumprimento dos Decretos citados correu pelas vilas ou foram afixados em locais públicos cópias destes decretos, um grande número de pessoas, armadas de foices, enxadas e espingardas, passou a atacar prédios e autoridades públicas. Gritos como “Abaixo a Lei, morra o Governo” eram ouvidos e entoados como palavras de ordem. Os registros dão conta de que em vilas e cidades da Paraíba como Campina Grande, Ingá e Alagoa Nova os conflitos foram extremamente violentos. Apesar da surpresa inicial, o governo reagiu rápido e no final de janeiro 1852 a paz social” foi restabelecida, para tal o governo contou com o auxílio de alguns membros do baixo clero que ao se darem conta de que o movimento fugiu do controle, passou a conclamar os fiéis para o respeito à “ordem pública”.
Mesmo durante pouco tempo o Ronco da Abelha provocou resultados, os decretos foram revogados e o primeiro Censo nacional só veio a acontecer em 1872 e o registro civil e a separação definitiva da Igreja e do Estado só ocorreram a partir da implantação da República.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Caldeirão e "A Cidade do Paraíso"

Na História do Brasil e do mundo, muitos são os exemplos de movimentos religiosos que tiveram um final trágico. Líderes e fiéis de vários desses movimentos morreram vítimas de repressão governamental, de sacrifícios efetuados em rituais ou suicídios e imolações coletivas. Alguns dos casos mais marcantes e conhecidos da História do Brasil são os de Canudos (1893-1897), no interior da Bahia e do Contestado (1912-1916), em Santa Catarina. No entanto, muitas outras são as situações em que a fé do povo e liderança carismática de um beato, pastor ou pregador levou centenas de pessoas a participarem de um projeto de construção de uma sociedade diferente e por assim dizer alternativa.
No sertão nordestino do final do século XIX e início do século XX, fatores como o mandonismo, o coronelismo e as constantes secas foram elementos que contribuíram para a ampliação do número de excluídos e que se tornam elementos constitutivos do surgimento de bandos armados (os cangaceiros) e do surgimento de líderes religiosos com uma pregação de salvação e de mudança de vida (Messianismo).

O Beato e o Circo dos Santos
Entre as décadas de 20 e 40 do século XX, na região do Cariri Cearense, mais precisamente na Chapada do Araripe, surge a figura do Beato José Lourenço; um devoto do Padre Cícero que teria sido enviado por este com a missão de acolher os fiéis que chegavam constantemente a Juazeiro.
Na fazenda Caldeirão da Santa Cruz, o Beato instituiu uma comunidade com o modo de vida austero. O centro da vida eram as celebrações religiosas, as rezas dirigidas por  José Lourenço e o trabalho, com a maioria das pessoas se dedicando à agricultura. A comunidade levava uma vida igualitária e todos podiam trabalhar a terra. Os bens produzidos eram partilhados entre todos. O trabalho era visto como um meio de salvação e as regras eram rígidas. Com a morte do Padre Cícero, o número de fiéis que acorreram para Caldeirão aumentou significativamente, fato que chamou a atenção das autoridades para a fazenda, o Beato e suas atividades.
Entre 1936-37, o Caldeirão atingia o ponto máximo de sua existência e a comunidade preparava a construção de uma igreja, uma melhor distribuição das moradias (com a abertura e organização de ruas) e também a formação de uma escola de educação básica, que seria possível com a chegada de três professoras.
A Campanha contra o Caldeirão e o Beato José Lourenço
No mesmo período a campanha difamatória contra o Beato e a comunidade ocupou mais espaço na imprensa do Ceará como se pode ver nesta nota do Jornal o Povo:
"Usam os penitentes do beato José Lourenço, sem exceção, homens, mulheres e crianças, ordinária roupa preta, tinta com lama, que exala insuportável mau cheiro. Quase todos possuem uma espingarda de caça e garrunchas e alguns revólveres...
Não é possível ocultar o perigo que acomete este ajuntamento selvagem em lugar deserto e despoliciado como a Serra do Araripe, não sendo de estranhar que dentro em breve surjam roubos e tropelias outras praticadas por aquele bando de inconscientes de quase mil indivíduos, atualmente vagabundos e ociosos. Por isto julgamos prestar grande serviço à nossa terra dando notícia dentro das fronteiras do nosso município desse cancro social... (O Povo, 12-05-1937 In: Cordeiro, 2008).
Apoiando-se nas notícias divulgadas por uma imprensa que pouco conhecia a realidade da comunidade do Caldeirão e amparados pelo regime de exceção do Estado Novo, uma união que incluía fazendeiros, religiosos e políticos planejou o fim da experiência vivida naquele lugar. O desejo de por fim às atividades da comunidade era comum aos grupos que detinham o poder na região e as razões para isso estavam ligadas à economia, ao poder político e ao poder religioso. Entre estes motivos podem ser mencionados: O medo dos fazendeiros de perderem sua mão-de-obra para o José Lourenço e a comunidade do Caldeirão, as ambições da Igreja Católica tradicional que, supostamente, cobiçava as terras da comunidade e não compreendia as manifestações do catolicismo popular, e o temor das elites políticas que suspeitavam que o movimento era comunista (vale lembrar que os fatos são próximos à Intentona Comunista de 1935 e ao Plano Cohen de 1937).
Por fim, 1937, o governo do Ceará decide pela invasão do local que resulta na morte de várias pessoas (inclusive mulheres e crianças). No ataque, segundo Cláudio Aguiar, até aviões foram utilizados, algo até então sem precedentes na América Latina. José Lourenço consegue escapar com alguns fiéis e se refugia numa fazenda adquirida no estado de Pernambuco. Os remanescentes do Caldeirão vivem boa parte do tempo às escondidas, temendo as investigações, prisões e mortes efetuadas no Ceará e que se estenderam por um bom tempo. Em 1946 José Lourenço falece e o movimento perde força por falta de uma liderança expressiva, o que provoca a dispersão dos seguidores e o fim do projeto de construção de uma comunidade coletiva, mesmo com a tentativa de José Senhorinho e de Quinzeiro de retomar à vida na Fazenda Caldeirão.

Atualidade
Os fatos ocorridos na Chapada do Araripe no início do século XX vem se tornando tema cada vez mais frequente em pesquisas e publicações. O exemplo daquela comunidade mostra um quadro de exclusão social e de enfrentamento de forças pertencentes aos setores mais populares de um lado e do outro lado os grupos que mantém o poder. Também é possível notar como a falta de entendimento sobre os movimentos populares e a ausência de diálogo por parte daqueles que estão no poder podem gerar uma verdadeira catástrofe.
Por último cabe notar que, na sociedade atual, ainda se pode ver alguns elementos que remontam a características do Messianismo muito embora a forma de atuação e os meios sejam diferentes.

 Saiba mais:

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Tecnohistória





Vendo o noticiário da tv , assisto à notícia que pesquisadores utilizaram um exame de DNA para tentar identificar a causa da morte do Faraó Tutâncamon. Recentemente, quando ocorreram protestos de estudantes e opositores do regime político do Irã, o Twitter foi um dos principais meios de transmissão de informações sobres os fatos. Para investigar tumbas e desvendar mistérios de povos que viveram há muito tempo, robôs-espiões, com microcâmeras, foram utilizados.

Novas Tecnologias e História

O leitor pode até achar que os fatos descritos acima não são mais do que normais e não produzem um impacto sobre o estudo da História que mereça receber algum destaque. Pois bem, além de percebermos que há uma relação entre os casos citados e outros casos semelhantes, com a tecnologia e com a História, também é possível analisarmos que a incorporação destas inovações aos estudos do passado mais que uma tendência em curso é uma profunda mudança na maneira de se narrar os acontecimentos e por extensão na própria Historiografia.
Por trás de todas as mudanças tecnológicas em curso se esconde uma revolução . Revolução esta que não se encontra apenas nas mídias ou nos laboratórios onde os textos são publicados e onde os exames são feitos. Ela está na própria maneira de se reinventar a narrativa histórica.
As novas mídias geram uma cultura típica da época contemporânea em que, a velocidade da informação e a maneira de se analisar os fatos ganham uma dimensão nunca vista. A internet e suas múltiplas possibilidades é um grande espelho disto. Tomemos o Youtube como referência. Os historiadores contemporâneos devem estar muito atentos ao que é veiculado no Youtube. Devem compreender que aquelas imagens além de poderem se converter numa importante fonte histórica, devem ser estudadas como um grande fenômeno cultural (logo histórico) da produção e difusão de saberes.

Mudanças à vista

Creio que a própria maneira como as narrativas históricas serão feitas passará por transformações, acompanhando as mudanças na cultura de produção e divulgação de conhecimentos. Se antes os papiros e pinturas das tumbas do Egito, ou pergaminhos foram meios muito eficazes de preservação de aspectos do passado, agora são os espaços virtuais, os laboratórios e outros os vetores da propagação de conhecimentos, capazes de confirmar ou negar uma teoria sustentada há muito tempo e até de modificar o que sabemos sobre o passado. Há uma parceira entre a História e as novas tecnologias que se mostra muito profícua e que nem é tão recente assim. Em outros tempos, a invenção ou o aperfeiçoamento da imprensa foi responsável por importantes conquistas no campo do saber e o rádio foi um grande salto de qualidade na transmissão de ideias; agora são os telejornais, os blogs, os exames de DNA e outros os principais construtores de um conhecimento mais amplo, sem que outras fontes mais tradicionais deixem de ser utilizadas. E claro, cremos que os historiadores não ficarão à margem do uso destas tecnologias e do estudo de seus reflexos no modo de vida e na cultura das sociedades. Acreditamos que eles não só farão uma grande utilização destes elementos como também tentarão compreender como este processo de difusão cultural influencia na sociedade. É um campo vasto que se revela para os estudos.
Só para que você leitor (caso possua um pouco mais de idade) compreenda melhor o que estamos dizendo , em seus tempos de escola, você seria capaz de imaginar que um dia estaria diante de uma tela de computador lendo um blog sobre História?